terça-feira, 8 de novembro de 2011

O que eu faria por amor



Cortaria as unhas, cultivadas compridas com esmaltes envernizados, só para tocar no violão uma música que você gostasse. E viajaria quilômetros noite adentro só para terminar de dormir nos seus braços. E depois de encaixada no seu corpo, ia ficar te olhando, respirando baixinho para não atrapalhar o seu sono. Aprenderia a cozinhar, deixaria os cabelos crescerem, arriscaria um passo de dança num piso de chão molhado. Eu faria tudo que estivesse ao meu alcance para ser só sua.

Se você existisse.


Mas tudo o que tenho é o silêncio, o frio de um cobertor inútil, as unhas lindas sem um corpo para arranhar. Não importa quem, eu só quero. Deixo a porta aberta, quem sabe passe por aqui, para me ouvir confessar que estive esperando por você a minha vida inteira. Então, amor, me diga: por que você não chega?

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Homens de grafite



Você escreve. Desde criança, constrói ficção. E parece que, de uma forma ou de outra, quando viram palavras os personagens não te pertencem mais: fogem para as linhas, agora são do mundo. Paulo Coelho, esse pseudo-cultista-escritor-bruxo que nunca admirei, mas cuja sagacidade momentânea me fascina às vezes, postou em uma de suas redes sociais que “o livro se escreve por si só. O escritor apenas digita as palavras”. Devo admitir, projeto de autora que sou, que não decido o destino dos meus personagens. Eu apenas digo as palavras mágicas que os fazem surgir. Sou Deus sem onipresença.

Tem esse cara, por exemplo, me surgiu pronto na mente. Mas eu quero que ele seja algo e, de repente, lá está ele, trilhando seu próprio caminho. E eu digo: ei, pare por ai amigo, eu defino onde você vai estar! Não tem jeito. Eu não sei de nada. As ideias escorregam e de repente um roteiro pronto de vida está traçado. Juro, da primeira linha ao resto, é como se alguém sussurrasse o que vem depois. Por isso o silêncio, por isso a concentração.

Eu dou a luz todos os dias a filhos que morrem na gaveta. E esses filhos, que consumiram tanto de mim, não são meus. A criação é o ato majestoso de desapego.

domingo, 23 de outubro de 2011

Na rua


No meio do caminho, havia um par de sapatos. Tropecei neles, por ocasião de minha volta para casa, dois calçados de solo esfolado pousados no frio da calçada. De um maltrapilho, certamente, que de tantas andanças perdera os pés. Ninguém teve coragem de recolhê-los, causava embaraço e constrangimento, um item alienígena na rua burguesa. Esperavam que alguém viesse buscá-los. Mais que sapatos: eram pegadas.

Pois que me atentei ao óbvio ululante — a rua, encardida de tantas idas e vindas estranhas, faz-se de casa para muitos. Mas o meu lar, limpo e organizado, não é a rua de ninguém. Pesou-me a consciência, na figura das duas sapatilhas de pano, tamanho 42. Quantas estradas aqueles pés não haveriam de ter percorrido, pisando duro o dissabor da crueldade? Até pararem, quietos e tronchos, na minha esquina. Não foram encontrados outros pertences que pudessem dar indícios daquela presença tão fulminante. Esvaecera-se o resto do corpo, descalço.

Então, finalmente, apareceu dono para requisitar soberano os direitos da propriedade. Trôpego, dando voltas ao redor de si mesmo, as canelas roídas de feridas, veio esse homem perdido e os calçou. Levou embora os sapatos. Os moradores suspiraram de alívio: que não ousasse voltar, aquela chaga de humanidade, para perturbar a paz do condomínio. Da janela, observei o mendigo se afastar, na esteira do fracasso e da amargura. Compreendi que a rua não é feita de chão. A rua é feita de passos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Aviso de inutilidade pública

Este blog interrompeu suas postagens temporariamente porque a famigerada autora está tentando escrever um livro.
Isso significa que ela continua pobre, lascada e louca.
Um abraço.
E lembre-se: a resposta é 42.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Rapidinhas

Propus um desafio a mim mesma (mentira, só estava com preguiça de escrever um post decente): criar microcontos em 140 caracteres, ao melhor estilo do Twitter. Foi mais difícil do que imaginei. O exercício de síntese é complicado e fornece grandes empecilhos à imaginação. Mas já que fiz, não custa nada postar. Perdoem-me se estiver muito tosco.

Ciúmes

Encontrou uma foto de mulher na carteira dele e, enfurecida, foi tirar satisfações: – Quem é essa aqui, hein??? – É você, com dezoito anos.

Decepção

Aos noventa anos, descobriu o sentido da vida. Olhou bem para os filhos, netos e bisnetos reunidos, e morreu. Não acreditou que era só isso.

Presidiários

Incrível a quantidade de pessoas que se arrastam pela vida. Às vezes, os grilhões deixam rastros na areia. Como pesam as escolhas malfeitas!

Gramática

É só uma questão de pontuação, tem gente que é vírgula, outras nascem para ser ponto final. – E eu, sou o quê? – Você é sujeirinha no papel.

Inferno astral

Estava tão escrito nas estrelas que caiu feito cometa na cama dele. Mas pediu o divórcio quando descobriu a traição. Ele era de capricórnio.

Poliglota

Falava polonês, árabe, italiano, francês e russo. Apaixonou-se por uma cearense e passou a vida em silêncio. O amor é a linguagem universal.

Modernidade

Saiu de casa e descobriu o Apocalipse, bolas de fogo que despencavam do céu de fuligem enquanto o mundo ruía, e pensou: preciso twittar isso.

Mulher

Fez o escarcéu, disse que queria separar, que ele não a amava mais, que não dava certo... – Tudo bem. – TUDO BEM? VOCÊ QUER TERMINAR COMIGO?

Homem

Na mesa do bar, comentava o vestido curtíssimo da morena: – Que espetáculo! – Em casa, a mesma peça no corpo da esposa: – VAI SAIR COM ISSO?

Comunicação

Vizinhos, suspiravam de amor platônico um pelo outro, mas eram muito tímidos para conversar. Separados pela parede, aprenderam Código Morse.

Romantismo

Em plena lua de mel, sentiu raiva dos tantos filmes a respeito do amor. Ninguém tinha lhe dito que dormir de conchinha dava dor nas costas.

Rinha

Um dia os galos resolveram se vingar. Amontoaram-se no cercadinho, reforçado de milho e água, e fizeram suas apostas. Ganhou o Vítor Belfort

Futuro

A cartomante garantiu que, daquele encontro, sairia o homem de sua vida. Terminou bebendo sozinha no restaurante. Mas casou-se com o barman.


ATENÇÃO!

Ainda não acabou a votação para o Concurso Cultural Eu Amo Escrever... Meu conto está concorrendo e preciso da ajuda de vocês! Só clicar nos coraçõezinhos azuis, pessoal!!

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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Eterno conto de fadas


De todas as questões de gênero, nenhuma é tão assustadora quanto nascer menina. Traumatizada pela experiência prévia de tantas criaturas semelhantes da família, eu até quis ser diferente. Pensava: se é para exercer esse árduo ofício de ser mulher, que seja de uma maneira menos sofrível. Veio a primeira menstruação, época de congratulação e constrangimento, o primeiro sutiã – que, convenhamos, não alterou muito de tamanho, e com as monstruosidades corporais, a primeira decepção amorosa. Essa doeu. Eu ardia de amores platônicos. E embebida de rejeição, jurei não ser mais uma donzela frágil exposta aos horrores de um coração esmagado.

Tolice a minha, imaginar-me capaz de resistir ao pendor natural. Que toda mulher tem sim seus momentos de fortaleza. Mas a fraqueza maior, essa atração medieval e torturante que nos acompanha desde o embrião, é mesmo o sexo oposto. Sempre eles, os errantes irresistíveis. Quantas já não bufaram, exasperadas por uma ligação não retribuída ou um ritual ignorado, que os homens são todos iguais? Em defesa deles, ou mesmo em horror a uma conclusão recente, preciso admitir: idênticas somos nós.

Somos nós que caímos no conto do vigário, acreditamos em comédia romântica, e terminamos protagonizando algum dramalhão mexicano. E eu, que prometi imunizar-me dessas frescuras sentimentais, também acabo sempre chorando de raiva por alguma traquinagem tipicamente masculina. Por mais que tente fugir da sina, sempre chega o momento em que nos deparamos com a necessidade da provação amorosa.

Flores, chocolate, promessas de amor eterno e palavras bonitas ditas ao pé do ouvido. Presentes, também, que eles fazem diferença SIM. Não importa o valor. A graciosidade do presente é o detalhe da lembrança. Qualquer rabisco em papel é melhor que uma enciclopédia de ouro, nesse departamento. Claro que um colar de diamantes tem seus méritos, mas isso só se o camarada puder. Ser rico não é pré-requisito. O que importa é ser atencioso. Se não for, vai dar valor quando ela for embora. Eu nunca quis ser uma princesa. Hoje, quero ser mais: quero ser uma rainha valorizada e mimada. Sem romance, sinto-me murcha e infeliz, como uma planta que há muito não prova a seiva do carinho. Quisera eu estar contente com a originalidade do feminismo. No final, o que fica é a vontade de um clichê doloroso de amor.


NOTA:

PESSOAL, PRECISO MUITO DA AJUDA DE VOCÊS... UM CONTO INÉDITO MEU ESTÁ CONCORRENDO NO CONCURSO DE CONTOS DA CANTÃO, VOCÊS NÃO PRECISAM LER SE NÃO QUISEREM, MAS VOTEM! É MUITO IMPORTANTE PARA MIM, UM FAVOR INESTIMÁVEL!

PARA VOTAR, BASTA ENTRAR AQUI: http://www.li3.com.br/clientes/euamoescrever/contos.php?medalha-desonra&p=776

E CLICAR NOS CORAÇÕEZINHOS AZUIS!!!

AGRADEÇO A AJUDA DE TOOODOS!

PS: O CONTO É BACANA.

;D

segunda-feira, 25 de julho de 2011

[OFF] Ajude a Fabi

Olá pessoas amadas que curtem o Pois é.
Esse é um post de utilidade pública.
Estou participando do concurso de contos da Cantão que, infelizmente,
tem voto popular. Para ficar entre os primeiros 50, necessito de vossa ajuda.
Postei meu conto recentemente e preciso urgentemente do voto de vocês.
Para votar (e ler o conto, é claro, é um inédito!)


Só clicar no coração!
Um beijo grande


Ps: FELIZ DIA DOS ESCRITORES

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Fina ironia

Death by http://mr-twingo.deviantart.com/


Aos noventa e nove anos, o bom Eustáquio cansou de se deitar. Tentou de todas as maneiras e posições, rolou aos extremos do mar de lençóis que a empregada engomava, quando enfim desistiu de adormecer na horizontal. A família tentou, em vão, persuadi-lo a descansar a coluna curvada por tanta vida. Mas ele, enterrado na poltrona de couro, negou-se a obedecer. Que os ossos virassem pedra, só descansaria se fosse sentado e de olhos abertos.

No fundo inconfessável daquela teima estava um medo repentino. Alguns dias antes, enquanto descascava uma laranja na varada, alguém do lado de lá avisou que a morte viria buscá-lo. Não sabia explicar como soubera, só sabia. E resolveu adiar ao máximo esse encontro que já atrasava algumas décadas. “Pode até chegar”, remoia, os olhos azuis cristalizados de catarata “Mas não vai me encontrar pronto para o caixão”.

Gostava de viver, aquele ali. Descia as ladeiras de pedras irregulares como se fosse ainda o garoto das cocadas, o namorado da Onória, o marido da Ritinha. O tempo só havia passado do lado de fora. Ultimamente, estava certo da perseguição invisível. Se dormisse, era capaz de não acordar – ai dele se não dificultaria o trabalho da malograda. Não conseguiu. Na fila do banco, lotada de cabeças de algodão à espera do benefício mensal, um zumbido de mosca incomodava. Fechou os olhos por dois segundos e, com um soluço de surpresa, morreu. Tanto de dia, quanto de pé.


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Tributo à arte de escrever


Já me acusaram, infinitas vezes, de ser infantil. Admito. Por Harry Potter, torno-me a criança que fui quando o descobri. Vocês não sabem como é. Ou talvez saibam, mas tenham perdido há muito a coragem de assumi-lo. Essa série fantástica que acompanhou a minha geração inteira agora ganha seu último filme. Não significa seu desaparecimento. Claro que não. Todos nós sabemos que boas histórias não morrem nunca.

A humanidade precisa da ficção, não só para amenizar os transtornos de viver sem intervalos, mas enquanto tradução dos anseios e dúvidas. Cada linha escrita e interpretada, seja em qualquer suporte ou era, remete ao desejo de provar outras experiências sem sair do lugar. Esse é o trunfo de nossa capacidade de raciocínio, reinventar o mundo, semeando vida com suspiros de criação. Um bom contista injeta emoção em doses homeopáticas. Melhor ainda, é capaz de despertar paixões por quem não existe.

É indescritível observar o fenômeno dos fãs. A mobilização, o endeusamento talvez. O segredo, quem me dera saber. No caso de J.K Rowling posso dizer com confiança que foi o universo magnífico criado com tanta verossimilhança e carinho. O que começou com um livro infantil desaguou nesses milhões de quase adultos, marcados pelos conceitos de amor, virtude e heroísmo que permeiam a história. Sou orgulhosa de ter participado disso.

Eu poderia dizer, com franqueza, que escritores já nascem feitos. Se não aprendem as letras, contam histórias orais, delineiam personagens à tinta. Mas essa vontade de abrir portas para novos universos é herdada dos outros, os mestres do passado. No meu caso, Rowling deu o pontapé inicial. Se nasci para isso, não sei. Tenho, no entanto, muitas vozes dentro de mim, elas saem dos meus dedos com a mesma avidez com a qual respiro. Longe de me pertencerem. Quando escrevo, não o faço por orgulho próprio. Apenas devolvo ao mundo as palavras que ele soprou no meu ouvido.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Acasos de família

Foto por: http://pictureguy.deviantart.com/


Eu pensei que sabia me virar sem elas, as pessoas. Acreditei-me imune à solidão desvairada de não ter ninguém. Depois de tanto ser rodeada por vozes esganiçadas, agora mal suporto o silêncio constante: desaprendi o ofício da misantropia. Falhei na minha ambição mais constrangedora, de ser independente e viajada. Se arrisco a fuga, volto para casa com o rabo entre as pernas e peço dois copos de leite quente. Já não sei viver sem família.

Perder dói. Quando o amor é grande, então, o golpe deixa feridas incapazes de sarar. Amo tantos que não sei se tenho capacidade de arrancar infinitos pedaços de mim. Mas sem eles, não valeria a pena o tributo de qualquer choro. Consolo de uma lágrima é ter outras com as quais formar uma nascente. O importante é não deixar nossos elos enfraquecerem com o tempo, renovar em vez de esvaecer. Fomos feitos para resistir, como as raízes de árvore que se espalham sem deixar apodrecer as lascas mais antigas.

Eles podem ser tão diferentes de mim que mal cabem no meu sangue. Sabem irritar e cuspir no prato oferecido. Às vezes roubam minhas roupas e, em outras, minha paciência. Não importa. Sempre acabo voltando para os nossos churrascos e discussões. Precisei deixá-los para entender o quanto a solidão pode ser insuportável. Só os meus podem me lembrar de quem eu sou.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Caprichos

Foto de http://freckledmystery.deviantart.com


Nasceu assim, com lábios curvados de felicidade involuntária. Os médicos lamentaram a imperfeição, tentaram remediar o dissabor das gengivas atrofiadas, mas a mãe anunciou: que não ousassem costurar a beleza daquele rasgo. “Seu sorriso”, dizia à pequena menina, enquanto penteava-lhe o cabelo, “É a vírgula mais bonita que Deus colocou no mundo”. Assim cresceu Anabela. Sorrindo sem os olhos, sorrindo eternamente, até quando não queria.

Costumava fugir da tristeza dos outros. Seu rosto zombava da dor alheia, melhor economizar condolências e retrair-se nos próprios conflitos. Ela, que espelhava disposição, só sabia ser rancor. Odiava olhares enviesados, risadas abafadas, as piadas prontas feitas de covardia. Qualquer alegria estampada logo se dissipava na amargura dos ombros caídos. A moça do sorriso automático nunca ria.

Anabela não acreditava no amor. Em vinte e nove anos, nunca havia experimentado a euforia de uma paixão. De beijo, só um, roubado durante as mágoas da bebedeira. Nem isso resolvia a rigidez da boca irreverente. Quando Anabela conheceu Ricardo, o descolado novo vizinho, de imediato detestou tamanho bom humor. Se quisesse ser seu amigo, que falasse direito e arrancasse do rosto aqueles malditos óculos escuros. Ele obedeceu. As lentes escondiam um par de olhos vermelhos, lacrimosos, seu oposto mais cruel: mesmo com olhar de vidro, não sabia o que era chorar. Apertaram-se as mãos e nunca mais desfizeram. Pela primeira vez, ela sorriu por dentro.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pelo direito de ser autêntico

Foto: http://the-universal-mind.deviantart.com/

Perguntaram-me: “Se você pudesse ser outra pessoa, quem você seria?”. Sorri, e muito educadamente respondi que queria ser eu. Não entendo porque diria o contrário, covardia abandonar a identidade de alguém que esteve comigo a vida inteira. Talvez desejasse um pouco mais de dinheiro e algum sucesso, mas deixar de ser eu, de jeito nenhum. Se o fizesse ofenderia os meus pais, que gentilmente doaram tempo e carga genética, para me fazer assim dessa forma. Há quem prefira cobiçar as curvas plastificadas de alguma celebridade enlatada, e buscar a metade do que nunca foi inteiro, como se perseguir o fantasma de outro rosto fosse a melhor forma de satisfazer a dor de sobreviver. Não é. Pior que o desamor, é o repúdio a si mesmo.

Existem padrões e modelos estéticos que distorcem mentalidades, mas o veneno do preconceito já é ruim o bastante sem autodepreciação. Boicotar-se por um ideal falho não vai remodelar feições. Sorrir talvez seja a maneira mais digna de embelezar-se, faz parte desses encantos que independem de aparência. É fácil lamentar a falta de atributos, o problema é valorizar os existentes. Questão de atitude, de andar sem descobrir as crateras do chão. Um pescoço erguido é capaz de esconder o sol.

Ninguém além de mim vai envelhecer desse jeito, nem morrer sabendo como foi. O segredo é aceitar-se. Encarar a máscara desgrenhada que surge no espelho com orgulho, entender que é normal estar alguns quilos acima do peso e que as pequenas imperfeições fazem o comum virar extraordinário. Não deseje o artificial. Há muitas formas de beleza, inclusive a sua.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Dias marcados



Cansei de pendurar calendários. Minhas paredes nuas só trazem marcas de sol. Agora sou eu quem faz os dias, lembro que ainda ontem decidi que era o seu. Você gostou e ficou hoje também. Houve um tempo em que eu podava palavras, à espera do momento perfeito, esse impresso em tinta fresca. Mas, besteira, lançar ocasiões para celebrar pessoas. O amor é eternidade limitada, começa quando quer e acaba do mesmo jeito. Declarações que esperam o 12 de junho pecam pelo excesso de planejamento. Bom mesmo é viver instantes, em vez de contabilizar datas.

O tempo é diferente em mim. Antigamente, preocupava-me em reter cada grão de areia antes de deixá-lo escapar. Já não controlo essa ampulheta maravilhosa, deixo que escorra, que leve e me traga. Os meses seriam todos iguais, não fosse nós dentro deles. Essa mania de contextualizar dias é só protocolo. O que conta é aquele décimo de segundo em que se corta a respiração, o arrebatamento da surpresa, a saudade aniquilada. Não é graça de um número que vai mensurar o afeto, se as lembranças acontecem sempre.

Conta-se que nasci há 6938 dias, e vivi 166512 horas. Mas as estatísticas ignoram quantos minutos gastei em lágrimas ou sorrisos sinceros. Dispenso a impessoalidade de vitrine estilizada para definir a época de pensar em alguém. Por amor, crio feriados diários e extrapolo o deadline. Posso até seguir a lógica repetitiva do calendário, mas a minha vida independe dele. Amanhã pode ser a última página, que não seja uma qualquer.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Último eremita


Na calçada de tantas pernas apressadas, repousava um homem fundido ao concreto. Não implorava moedas nem caridade, apenas contemplava o cenário, deixando-se ao sabor do inerte tal estátua esfarelada. Os dias e as pessoas escorriam pela presença translúcida, assim como os fios emaranhados de barba que cresciam sem se fazer notar. Se alguém perguntasse o que fazia ali, responderia de bom grado: estava pensando.

Nos últimos trinta anos, pressionado a seguir em frente e fazer alguma coisa, não havia tido espaço para refletir sobre os caminhos ou pesar as escolhas. Sempre lhe enfiavam uma ocupação pelos braços, que empilhava de qualquer jeito, por não saber ser tantos ao mesmo tempo. Estava cansado da vida que não fornecia intervalos. Ao contrário do que teorizavam os narizes torcidos, não era vagabundo. E pecara por nunca ter sido.

Em algum lugar no alto dos andaimes sociais, talvez a família tivesse notado a ausência. Deixara todos sem dizer nada. Acostumado a perseguir o centro, ápice glorioso da vida, quis ficar à margem. Há dessas vontades que escapam da compreensão alheia. Agora, recolhido ao silêncio da meditação, apenas o som do próprio corpo ecoava dentro dele. Tantas batalhas por tornar-se alguém, e ali estava, embevecido pelo anonimato. Não pretendia voltar. O mundo era pequeno demais para tantas identidades. Coragem mesmo era essa de não ser ninguém.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Nós


Existe algo venenoso nesses beijos viciantes, quando de repente não quero te perder nunca mais. Se o amor é intenso, qualquer olhar enviesado é ameaça em potencial. Eu me basto, mas não sei se sou suficiente para você. Todas essas dúvidas ardem na garganta enquanto finjo que está tudo bem. Não me acostumei a amar o que é belo, frágil e que jamais vai ser meu por inteiro. Temo pelo dia em que alguém vá tirá-lo de mim, e é assim que enxergo as bruxas que rondam nosso conto de fadas. Cega-me a razão de que, às vezes, o monstro sou eu.

Longe de expressar cuidados, ciúmes assim mata o carinho. Mil vezes perdi perdão e outra vez acabei com tudo. É incontrolável o peso morto que desaba no estômago e enfraquece a coerência. Mas não acha que, se pudesse escolher, eu tiraria de mim essa loucura? Que, se outras vidas tivesse, te amaria um pouco menos? Minha alma corroída angustia-se tanto quanto a sua se aborrece. Paciência. Ainda estou aprendendo o caminho das rosas.

É difícil acreditar no amor, tantos casamentos desfeitos e corações dilacerados já vi. Não sei confiar. Também não gosto de perder o controle. Meu ego é grande demais para caber em mim, e vulnerável demais à humilhação. E eu jurei que jamais deixaria de ser quem sou. Mas você sabe que é a minha maior fraqueza. Eu me apaixonei por você há tanto tempo, e ainda sinto as malditas borboletas. Acho que estou impregnada desses valores antiquados de honra. Se te cobro tanto, é porque me entreguei toda, eu que não sou pouca coisa. Espero respeito. Não apenas fiel, que seja leal.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Let it be


Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, “Histórias Vividas”, uma imponente gravura. Representava ela uma jibóia que engolia uma fera.
Dizia o livro: “As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão”.
Refleti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho. Mostrei minha obra prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo.
Respondera-me: “Por que é que um chapéu faria medo?”
Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jibóia digerindo um elefante. Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações.

O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint Exupéry


Houve um tempo em que eu também desenhava elefantes em jiboias, e pessoas de gravetos, sem me importar com o mundo de verdade. Até porque, se desenhar a realidade fosse lógico, não existiriam espelhos. Mas então vieram os catedráticos, com suas lições de gramática e história, dizendo que para ser eu precisava mudar de raciocínio. Mudei, desenrolei os cachos, tornei-me diplomática. Que coisa. Continuo com saudades de mim.

Ninguém precisa construir pontes para dentro de si mesmo, nem explicar loucuras passageiras, como o riso que vem fácil. Que pena que a vida adulta nos faz bonecos de argila, moldados ao gosto de padrões e regras sociais de um mundo quadrado. Aprecio mesmo é a coragem de quem é inexplicável, sabe, anormal. Mas rejeito pessoas pré-concebidas. Não adianta ser diferente de mim, se for igual a todo mundo.

Acho que conquistei o direito de ser meio esquisita, então não venha me obrigar a enxergar o óbvio. Já descobri que quero ser eu quando crescer, viver assim de bem comigo pelo resto da vida. Andar descalça, cantar sem saber a letra, transcrever meu universo em prosa poética. E se eu quiser morrer de amor, tanto melhor pra mim.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Aos solitários



Por muito tempo acreditei que era preciso ir à caça para encontrar tesouros, quando o mapa dos meus desejos estava escondido no bolso de um amor tão próximo. Não foi preciso desbravar mares infinitos, nem roubá-lo de ninguém: era meu, e ponto. Caiu em mim e serviu. Outras partiram e voltaram sem a mesma sorte, recolhendo velas de embarcações furadas. Alguém, talvez, estivesse esperando por elas no próximo cais, aquele justo o qual ninguém foi visitar. Mas não é outra força que arrasta a vida, se não os ventos do acaso.

Convenci-me de que a busca é o veneno do encontro. Procuras incessantes só revelam achados desnecessários. Corações solitários não devem alugar-se por qualquer preço, nem perder a fé de que um dia chega o inquilino. Não adianta desenterrar números antigos e apanhar o primeiro bonde rumo ao compromisso. Nem sempre estar junto é bom. Quem quer ser descoberto precisa, antes de tudo, achar a si mesmo.

Não existe amor pré-concebido. O bicho arredio ignora sugestões, por mais bonitas e adequadas que sejam elas. Vem e vai ao ritmo da maré, deságua em praias inesperadas. Navegar em direção a ele é inútil, a predileção é pelos distraídos. Em algum lugar existem mãos dispostas a segurar as suas pelo resto da vida, que vão se perder em outros corpos se as ânsias do querer imediato não permitirem alcançá-las. O segredo é aguardar. Como a rede lançada ao mar que espera, pacientemente, o cardume perdido.



quarta-feira, 20 de abril de 2011

Carta para quem a carapuça servir




Olha, você pode até ter mais dinheiro que precisa, uma aparência melhor que a média, ou talvez seja prestigiado por uma inteligência maior. Mas não me venha atropelar os ouvidos com seus tratores de superficialidade e prepotência. Eu não mereço. A saliva gasta em críticas caberia melhor em um diálogo com si mesmo. Quem é bom de verdade não tem tempo para reafirmar superioridade aos outros.

Tenho pena dos seus pais, que esqueceram de mencionar à criança mimada que o mundo não tinha dois sóis. A falta de humildade é um vírus que atinge gerações inteiras, e você é apenas um ramo podre que alguém deixou crescer. Dos valores distorcidos nascem as escórias da humanidade: os preconceituosos, os espancadores de mulheres, os esnobes. Narizes empinados por uma falsa sensação de soberania. Deixa eu te contar um segredo: o mundo é maior que o seu umbigo.

Sei que existem idiotas devorados pelo conhecimento. O narcisismo intelectual é uma crendice incrivelmente burra. Doutores, senhores da lei, mestres das ciências exatas e humanas. Que proclamam autoridade através de um diploma pendurado na parede. Meu amigo, méritos acadêmicos não significam posições elevadas, apenas provam que você foi privilegiado por boas oportunidades. Todos temos algo para ensinar, como também aprender. O colega maltratado por não saber fazer cálculos, ou porque ainda é iletrado, pode provar-se um homem melhor. Viver, essa ciência empirista que se aperfeiçoa através dos tempos, não é questão de saberes. Todos chegam e partem com a mesma decência. Na morte, não existem distinções. Se for para esbanjar alguma coisa, que seja caráter.


terça-feira, 12 de abril de 2011

Só mais uma crítica social

*Esta é uma história verídica.
Infelizmente.



Brasília não é covil de ladrões, como prega a mentalidade nacional. Também não é só vazio e Legião Urbana. Nem tudo acaba em pizza. Perdida em um ponto indeciso do espaço, a primeira cidade bipolar. Não sabe se chove, ou se faz sol. Mas de boas iniciativas também se faz o cotidiano da capital. Ideia original de Luiz Amorim, açougueiro, a biblioteca popular coordenada pelo Açougue Cultural T-Bone chamou bastante atenção da mídia quando foi inaugurada, em 2007.

Funciona assim: estantes de livros são colocadas nas paradas de ônibus da cidade. O acervo é composto de doações. Qualquer um que passar por ali pode apanhar um exemplar emprestado, mergulhar em aventuras incríveis e, inspirado no ideal cívico, devolver. Nos últimos dias, 3 anos depois de satisfeita a empreitada, uma triste situação.


Os livros estão desaparecendo. Cada vez mais raros nas prateleiras de ferro, os sobreviventes desfolhados enfrentam a dura batalha contra o descaso. A cultura que nasceu para viajar pelos lares bem intencionados e depois voltar a outro ponto de partida, de repente abortada no meio do caminho. No cartaz afixado na parede, a denúncia envergonhada revela: carroceiro é o culpado de roubar os livros. Esse senhor de idade, que provavelmente não sabe ou lê mal, encontrou uma finalidade melhor para aquele tesouro a céu aberto. Vendeu tudo por quilo.


Brasília não é covil de ladrões, mas o Brasil, aparentemente, tem fome. E não é de leitura.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Bullying: outra perspectiva


Os psicólogos infantis que me perdoem, mas antes do termo bullying entrar na moda, agressões alheias eram tratadas como qualquer outro obstáculo. Nas escolas, o truque era ignorar. Lição muito mais valiosa que aquelas apreendidas nas modernas sessões de psicoterapia: nunca deixe nada, nem ninguém, afetá-lo. Mostrar que se importava era a pior maneira de reagir, expunha fraquezas que alimentavam o sadismo do algoz. A vingança, normalmente, chegava depois da formatura, no sucesso daqueles ditos fracassados. Os duros percalços da vida escolar moldavam cada caráter. Não se incentivava vitimização.


Quando era menina, minha irmã mais velha chegou em casa com os joelhos sangrando. Na corrida inocente do recreio, havia sido dolorosamente atirada ao chão por uma perna mal intencionada que se intrometeu no caminho. Ela odiou profundamente o menino que lhe fez isso. Longe de comover meu pai, suas lágrimas renderam-lhe uma surra inesquecível. Segundo ele, a culpa era só dela por deixar-se cair. Embora cruéis, tais ensinamentos fizeram de nós duas mulheres melhores. Meus pais jamais entraram na escola para contestar autoridades, ou vieram em nossa defesa quando alguém atirava pedras. Eu precisei passar por tudo isso sozinha.


Se existe bullying, é porque alguma criança aprendeu que deve sentir-se superior aos outros. Parte do próprio lar qualquer noção de respeito, aos pais é creditada toda culpa pelas atitudes mesquinhas de seus rebentos superprotegidos. Do lado mais fraco, tampouco foi ensinado algo. Socialização e repúdio ao preconceito deviam constar nas cartilhas infantis. Crianças criadas na era digital desaprendem ofícios antigos, como jogar bola na rua e brincar de pique. Bombardeados pela cultura de massa, admiram traços esteticamente convencionais e tornam-se adolescentes precoces. Quem não faz parte desse universo repleto de códigos de aceitação é excluído. Bullying sempre aconteceu. O que mudou é a ferocidade de seu novo contexto, que espalha violência além do pátio da escola. Mas, como qualquer sofrimento, existe para ensinar resistência. Quem não for capaz de superar isso durante a infância, dificilmente terá coragem suficiente para enfrentar o mundo adulto.

Curiosidade: O menino que derrubou minha irmã, mais tarde, tornou-se o primeiro namorado dela.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Até o fim

Metade de nós, talvez, jamais descubra como é. Se a morte que separa famílias já é dolorosa, imagine perder alguém que se amou por escolha. Depois de meio século de casamento, de repente amanhecer na cama vazia, sem suspiros preguiçosos e abraços amarrotados. Eu conheci um amor que durou até o fim. Nas lágrimas de uma mulher profundamente devastada pelo falecimento do marido, mais do que um sentimento de dependência, eu enxerguei coragem; de amar aquilo que é frágil, e deixar-se viver na esperança de um reencontro. Uma valentia cada vez mais rara.

O casamento deixou de ser um ritual de respeito, mesmo uma celebração de afeto. Como um castelo de areia, se desfaz ao mínimo toque. De obrigação, evoluiu para contrato, facilmente revogável por qualquer uma das partes. Não se sabe razão para insistir em imperfeições, a tolerância já não cabe no mesmo teto, qualquer deslize é motivo para fazer as malas. Mas a glória do vestido branco e das festividades pirotécnicas, ninguém dispensa. Nenhum compromisso é fácil de cumprir. Um que promete o infinito, então, está além da capacidade emocional de uma cultura que só exercita o desapego.

Problemas surgem e, às vezes, o inevitável acontece. Uma máscara que cai, outro sentimento sufocado por falta de zelo. Não é justo obrigar ao convívio casais de cera, perfeitos na teoria, frios ao toque. Mas se o amor não é forte o bastante para sobreviver ao mau tempo, dificilmente merece dividir o mesmo barco. Aprender a ceder deve ser o primeiro passo de quem pensa em se casar. Sem a disposição para fazer pequenos sacrifícios, a ruína é previsível. Qualquer relacionamento acaba, não existem vírgulas eternas. O final mais feliz é ficar junto, até que a morte, e somente ela, os separe.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Chique é ser estrangeiro

Se acaso a existência de extraterrestres fosse comprovada, provavelmente o primeiro lugar que eles escolheriam visitar seria o Brasil. Afinal, em nenhum outro país os forasteiros são tão homenageados. A recente visita do presidente dos Estados Unidos demonstrou todo o potencial da hospitalidade brasileira, com direito a criancinhas vertendo lágrimas e o Cristo Redentor inteiro para a família real. Cada passo do grande Imperador foi anunciado com estardalhaço, minuciosamente planejado, para que tudo fosse perfeito e adequado. Não parecia a chegada de um simples Chefe de Estado, mesmo que o maior. Aqui, Obama foi rei.

Fonte: O Globo


O mundo inteiro reconhece a ascensão econômica do Brasil, mas um país que não sabe comportar-se como gigante sempre será um anão de mentalidade encolhida. Ao contrário da China, nação mundialmente respeitada que enfrenta seus problemas de liberdade política, mas carrega em sua cultura milenar a dignidade e o orgulho; neste país o reconhecimento só é válido se vier de fora. Celebridades internacionais são ovacionadas, encontram Pelé, abraçam a Presidente ou são hospedadas por Luciano Huck e Angélica. Os brasileiros são os melhores anfitriões do mundo. É uma pena que, lá fora, não recebam a mesma cortesia.


Ashton Kutcher e Demi Moore na casa de Angélica e Luciano Huck, em Angra


É vergonhoso esse tratamento supervalorizado, se a necessidade de provar como o país é lindo e desenvolvido é maior que o investimento real em infra-estrutura e educação. Ainda mais constrangedor é notar que os brasileiros enchem de regalias os visitantes ilustres, mas são cheios de preconceitos contra os seus mais corajosos irmãos que, longe dos resorts e das praias paradisíacas, sofrem as mazelas de um outro Nordeste. Ser gentil e hospitaleiro não justifica agir como criaturas inferiores, sedentas de aprovação. Nada, no Brasil, é melhor que o brasileiro, embora ele freqüentemente se esqueça disso. Longe de afirmar-se como potência de dimensões culturais muito maiores do que futebol e samba, a postura do país permanece curvada, reforçando seus piores esteriótipos. Não dá para ter respeito por uma nação assim.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Comunique-se

Pense duas vezes, antes de falar. Mas não se cale para sempre. No fundo, não se trata de podar palavras, é apenas uma questão de saber dosá-las. Quem fala demais magoa sem querer. Se o silêncio persistir, no entanto, nada ficará a ser dito. Embora a necessidade de procurar medir nossos pensamentos antes de verbalizá-los seja inquestionável, reprimir idéias é censurar a si mesmo.

Curiosamente, todo mundo precisa de duas coisas: voz, e autocrítica. A coragem para dizer, com coerência, porque quem fala sem cuspir insultos é escutado, e uma boca cheia de opinião não engole mentiras. E autocrítica, para perceber a diferença entre se expressar e cair no ridículo.

Se o que estiver na ponta da língua for um elogio dado de bom grado, liberte, mas se for uma ofensa de má fé é melhor secar a saliva envenenada antes de contaminar alguém. Todos os dias, é preciso exercitar um pouco de diplomacia pessoal. Só não vale ser camaleão, mudar o que diz de acordo com quem escuta. Ou ficar em silêncio, por medo de represálias. E se ninguém puder ouvir?
Bom, para isso existem blogs e twitter.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Auto-crítica



Há muitas coisas a meu respeito que eu gostaria de mudar. Não estou falando do meu cabelo, do meu andar, de como o mundo me vê. Os olhos dos outros não importam, se existe um universo inteiro dentro de mim que ninguém jamais verá. Admito que pode ser, às vezes, um canto escuro de neuroses e angústias. Poucas vezes, tingiu-se de um cinza tão tenebroso, que achei impossível fugir. Em uma esquina do acaso, encheu-se de amor. Mas esse império que uma menininha tímida um dia ergueu dentro de si era feito de areia, e sucumbia ao mínimo deslizamento. Encontrou a solução perfeita para o problema em um dia de chuva. Perdeu a inocência, e ganhou um coração de pedra.


O excesso de amor por si mesmo gera orgulho, que por sua vez é um veneno sutil. Fortalece e mata, ao mesmo tempo. Demorei a perceber que, enquanto me defendia vorazmente ferindo os outros, eu também sangrava. Quando meu teto de vidro caiu, eu já sabia que podia me machucar muito mais vivendo na ilusão de que passaria incólume pela vida. Não existe aprendizado sem um pouquinho de dor. Foi quando decidi abrir um espaço na terra do meu gigantesco ego para os outros que descobri que as minhas fraquezas são maiores que eu pensava. A minha tolice passou despercebida, disfarçada de prepotência.


Eu não sei pedir perdão. Sou covarde, acima de tudo. Desisto no meio de um caminho que eu ainda nem comecei. Reclamo de tudo aquilo que se por acaso eu perdesse, levaria um pedaço de mim. Sou extremamente vulnerável a críticas. Choro no banho para que minhas lágrimas passem despercebidas. Não tenho paciência. Não sei cumprir promessas. Tenho pavor do fracasso. Andei errando, e admito. E só assim vou saber fazer certo da próxima vez. Embora eu freqüentemente lute contra dragões feitos de moinhos de vento, agora não culpo ninguém. O único inimigo a ser combatido é aquele que vive dentro de nós mesmos.