sexta-feira, 25 de junho de 2010

As misérias do tempo



Eu odeio o tempo, esse carrasco da disposição cheio de promessas vagas e auspiciosas. Detesto, sobretudo, a maneira como sempre ansiei por ele – e de repente quis anular sua chegada. O velho senhor costurou os milhares de rasgos que eu trazia na alma, a troco de novas feridas e um presente para se alojar. Caminhou pelos meus dias e criticou a minha pressa. E eu percebi que aquela figura impassível que todos me pediam para esperar, nunca sequer foi embora.


A rebeldia que aos quinze atrapalhava, se a vontade não cabia no corpo, fez falta. Agora que posso sair quando quero, as esquinas já não me recebem tão bem. Na casa sem gosto de lar, só cheira a comida estragada, palatável a goles de cerveja. Descobre-se que roupas de cama precisam ser renovadas, e contas não se pagam sozinhas. Que fina ironia essa das horas que convocamos no desespero, e se anunciam sem espetáculo. O querer mais forte desaponta.


Meu detestável companheiro zomba de tamanha ansiedade, sua imprestável comitiva de frente. Aponta-me os espelhos, mostrando com orgulho suas pinceladas mais firmes, que depois de secas ainda escorrerão. E eu aqui, me desdobrando em novos planos, sem viver os segundos que ele traz na manga. É um camarada sagaz, suas notícias de ontem sempre guardam aprendizado. Na verdade, já sei até porque os mais velhos sempre me recomendaram paciência quando se tratava desse hóspede desagradável: É que de tantas maneiras procuro ser feliz, que não notei que já sou.


domingo, 20 de junho de 2010

Cortem os testículos do Justin Bieber!


Olhando com desgosto essa juventude que desfila por ai em cores berrantes, pergunto-me quando é que arrancaram a flor da minha idade. As espinhas que enfeitam esse rostinho de criança enganam, carrego nas costas o peso de uma velhice precoce. Já torço o nariz para essas manifestações culturais estranhas, não sei sequer manejar essa tecnologia dedável, envelheci duas décadas ou mais. Ainda ontem tinha no rosto o ar travesso de quem consegue dominar o mundo, e agora... Agora é difícil sobreviver a ele.




Que saudades tenho da minha geração, aquela que sobrevivia sem Internet, desprendendo prazer apenas por socar as teclas de um Nintendo pré-histórico, das fitas freneticamente assopradas. Na televisão, nossos (saudáveis) heróis eram másculos e viris como os Thundercats e os Cavaleiros do Zodíaco, ou bem mais humildes – vide o Homem codorna. Era uma época feliz, de crianças espertas que sonhavam em receber uma cartinha de Hogwarts ou treinar um pokemon. Crianças que colecionavam tazos, e aplaudiam bandas como Mamonas Assassinas e Legião Urbana. Crianças que não achavam a vida uma puta falta de sacanagem.




Na esteira dos fenômenos andrógenos que despontam no coração das tietes do século XXI, um jovem rapaz com estatura de criança e o tradicional cabelinho lambido vem se destacado. Como a maioria dos artistas que fazem sucesso por ai, a figurinha brilhante surgiu no Youtube. Estou falando de Justin Bieber, o sex apeal recém saído das fraldas, franzino e cheio de marra. E eu me pergunto, o que será desse bebê quando a sua voz sofrer as alterações da puberdade? Aos 15 anos, a estrelinha canadense aparenta 12. A solução que encontrei é simples, meio malévola talvez.

Cortem os testículos do Biba.

Não é uma prática estranha, afinal. Até a metade do século XIX, aliás, era comum castrar os jovens promissores que apresentassem a voz aguda. Dessa forma, impedia-se a maturidade sexual e, conseqüentemente, a deformação daquele belíssimo e límpido canto. Os Castrati eram artistas extremamente caros e valorizados. Infelizmente, a prática foi proibida em 1870. Poupado da violência, a criança crescerá, e seus refrões melosos vão ecoar em outra freqüência. Bom, pelo menos eu apresentei uma alternativa para preservar esse “talento inigualável”. Para não dizer que sou uma velha rabugenta nesse mundo novo.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Notícias sobre o amor


Escapou do submundo das baladas pelas escadas da normalidade excessiva, quem diria. Na adolescência tanto prometia vingar-se da opressão dos pais, ditadores de comportamento, agora virava seu pior pesadelo: uma moça certinha com horror a escândalos. Já não fazia sentido, mesmo, ficar lá parada com a cerveja vazia na mão. Tentando descolar um cavalheiro que lhe pagasse outra, explicando à gentil amiga que “Desculpa, gosto de homem, porra sou hetero”. Música esquisita, um pessoal meio alienígena. Beijos trocados as cegas com o rapaz atrevido: saliva compartilhada a noite inteira. Que infelicidade, que breguice! Não era festeira.

Procurou alternativas, e só encontrou a solidão. De um sábado à noite farto de comédias românticas, sempre voltava ao inferno particular. O espelho do outro dia exibia um ser bizarro - meio panda, meio mulher. Descabelada, desmemoriada e vazia. O destino parecia fatalmente empurrar-lhe para os braços de algum idiota qualquer, não tivesse a dignidade de esperar por um homem. Que esses ai, com essas roupas e adereços coloridos, não são de jeito nenhum. Queria alguém que ouvisse sua voz, antes de obstruir-lhe a boca. Amigo e amante, fiel e leal. Inteligente, ao menos.






Quando ele apareceu, o tal do amor verdadeiro, não fez alarde, tampouco abalou estruturas. Nem voraz, nem encantado. Era uma novidade que não chegava a empolgar, tantos príncipes a vida havia lhe roubado em precipitação. Foi levando a conversa, aproveitando o papo, logo se viu naturalmente apaixonada. Assim leve, assim espontânea. Engraçado, justo agora, quando ela desistia da busca! Que bicho é esse, que foge ao mínimo sinal de caça? Tudo ao seu tempo, já diziam os mais velhos, uma frase feita para esmorecer o presente. Não soube reconhecer o agora. Tinha até medo de acabar com a chance, sofrer como outrora. Ela que tanto prezava o amor e os bons costumes com os quais fora criada, de repente tinha receio de partir o coração pela milésima vez.

Armou-se com a carapaça do orgulho, abusando da frieza. Conseguiu o fim. Amar a si mesmo antes do outro, o primeiro mandamento para um relacionamento saudável... E ao próximo como a ti mesmo, esquecia. Amava tanto a própria pessoa, a ponto de se recusar a se dar para alguém. Isso que, quando criança tanto queria, agora recusava. Dispensou o nobre rapaz, e suas boas intenções, com seus preceitos bobos de pura covardia. Um dia aprenderia que dizer eu te amo não é feio, quando dito com convicção e sinceridade. E, quando se trata de palavras, apenas duas não precisavam ser ditas: “Nunca” e “Sempre”.






Eis aqui o fato, o amor é só um detalhe. Um botão de rosa que floresce na selva de desgarrados, tão bonito a ponto de justificar a existência do mundo. Aromas distintos que seduzem a dedo, e ainda faziam pensar que era sua a escolha. Caem todos nessa armadilha desde que o mundo é mundo e o vínculo se fez. O universo está forrado de promessas traídas, mas enquanto outras ainda são feitas, renovam as esperanças. Nesse terreno reinam a confiança e o respeito. Quando existe paciência, ser feliz é conseqüência.

PS: E quanto à moça dessa história, digamos que ela aprendeu a lição.