quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Página 2011


Tenho medo de páginas em branco. Medo e fascínio. Quando criança colecionava cadernos cheios de linhas vazias. Às vezes escrevia neles. Não gostava, apagava, rasgava a folha. O cheiro da lombada rígida, a costurar margens e margens intocadas, e pensar que um dia talvez minhas idéias colorissem aquele mundo vazio. Estou ainda a procurar o segredo de preencher essas lacunas tristes. Ainda não consegui. É preciso muita beleza para não estragar a imensidão virgem do papel.

Sempre tive problemas com diários e agendas em particular. Imagina se eu, que nunca terminava nada, teria disciplina para seguir um calendário! Eu queria mesmo era seguir meus instintos, começar pelo meio e desenhar no começo. E eram só rabiscos encardindo meu mundo tão branco, que escapavam do lápis enquanto eu pensava no quê escrever. De tanto pensar, deixei as histórias de amor e aventura escaparem, procurei as palavras certas sem saber que elas fogem ao menor encalço. E fiquei apavorada com aquela pergunta insistente martelando no pedaço de papel em branco. Fugi, como muitas vezes ainda faço. E se cuspo palavras, é porque já não agüento viver no nada.

A analogia é válida. Se o silêncio da vida é tão grande a ponto de preenchermos com conversas e música, se as conseqüências dos meus atos mancharão a memória, então estou metida dentro do maior livro em branco já escrito. Eu não sei se o próximo parágrafo será o melhor, o mais curto ou comprido. Tantas páginas desperdiçadas querendo sublimar sentido em tudo. É assustador, eu sei. Cada manhã fresca esperando por continuidade, logo eu que tenho horror à iniciativa! Em homenagem a tantos cadernos abarrotados no fundo do estante, tomei a decisão. Eu não preciso ser uma obra de arte. Eu só preciso chegar ao fim completamente preenchida.

Um feliz 2011 a todos vocês.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Life is too short


Estudar, trabalhar, dormir, esperar. O peso da rotina desaba sobre os ombros dos mais fracos. Uma esperança tênue abastece a coragem dos conformados. A vida segue seu ritmo melancólico, dia após dia, nos ponteiros de um relógio estrangulado. E se você soubesse que não tem muito tempo, continuaria esperando o fim de semana chegar?

A vida inteira para preencher, e só se quer congelar alguns instantes. Ser humano é mendigar migalhas: segundos preciosos de um sorriso espontâneo, cinco minutos regrados de sono, um dia entre trinta e um. Nessa era de longevidade e progresso, vive-se demasiadamente pouco. Sempre alguma coisa para fazer, um lugar para ir. Nesses dias em que o atraso é uma ofensa aos deuses, um engarrafamento é o único momento de reflexão. Não existe chance para a beleza do comum. Ninguém olha para o céu se não for à caça de um disco voador.

A experiência é o conjunto de fases que, mesmo cumpridas com maestria, culminam em um grande game over. O imperativo social é impiedoso: arrume um emprego, case, tenha filhos. Só não dizem que empregos são difíceis, maridos e esposas decentes mais ainda. A lógica do grande ciclo é que ele jamais desemboca em lugar algum. Todo ano é um novo ano, um mais do mesmo carnaval. De muitos Natais se fazem uma vida, até chegar a última página do calendário, no dia sem amanhã. Aquele vestido branco que você estava guardando para vestir na virada? Nunca vai ser usado. E o pedido de casamento, que ele finalmente resolveu fazer? Agora é tarde demais.

Faça melhor uso do seu tempo. Pare de contá-lo.