Eram duas metades de um mesmo inteiro, de risos e mágoas, punhos e abraços. E fizeram do carinho a guerra, no ardor desse fogo que não sabe ser brasa. Não sabiam caminhar juntos, e por isso pousaram cada qual em seu extremo. Mas, por uma distância que diminuía a cada segundo, acabaram por parar no tempo em eterna dualidade. Vizinhos da alma inconstante. Um amor que dói, ao deleite do ódio que se afoga em prazer.
Eu sinto seu coração bater contra o meu, enquanto você dorme, e nesse compasso encontro o sentido do mundo. Conseguimos esquecer as vezes em que morremos um para o outro, nas ofensas atiradas por imprudência, só para acordar nos querendo de novo. Não sei o que acontece para agirmos assim, mais rivais do que amantes, competindo para ser bom o bastante, se somos melhores juntos. Enlouqueço e quero ir embora, mas, exatamente como nas fugas de criança, desisto no meio do caminho por medo de não saber voltar.
E você, garota pentelha, que só compartilhou comigo um útero e nada mais...Ode io suas lamentações, seu egoísmo, suas fofocas. Vou destilando minha raiva nas críticas azedas, enquanto ainda não existe castigo que encontre solução para nossas divergências. Mas, mesmo assim, eu moveria montanhas para defender sua honra. Só eu posso falar de você.
E quanto aos amigos que tantas vezes me fizeram espumar de ciúmes, ao escorregar em deslealdade, ou disseram verdades amargas de se ouvir: ficamos muito tempo de mal, sem saber que só queríamos bem. E insistimos tanto nessas bobagens, que esqueci de dizer o quanto são importantes.
Cansei de lutar ao avesso, brigar com quem eu mais amo. A verdade é que são dois lados de uma moeda cara demais para nos manter em paz. Uma força anula a outra, se já não existe outra solução senão a distância e o silêncio. Mas o amor, a face nobre do monstro, guardou um último truque para quando estivesse a agonizar. E disse que, se fosse de verdade, não haveria de morrer.
Então se inventou o perdão.