domingo, 24 de outubro de 2010

Amor intergaláctico





Esperei um infinito de estrelas pálidas para te encontrar de novo. Sorri de corpo inteiro, abraçando cada átomo do seu corpo refeito de tempestades antigas. Reclamo de você que nunca faz a barba. Mas adoro poder passar a mão no seu rosto, sentindo sua meia dúzia de pêlos espetarem meus dedos, lendo a saudade nas rugas precoces. Estamos ficando velhos. Só que o tempo lá fora não é mesmo aqui dentro. Em algum lugar dentro de mim, você e eu ainda somos os mesmos.

A minha saudade é crônica, nasce no instantâneo, sinto falta desse segundo que acaba de ir embora. O universo vizinho me espera, com suas crateras vazias de cometas gelados. Não hoje. Hoje estamos aqui, dividindo o mesmo ar. Não brigue comigo, que ao alvorecer já serei lembrança. Sinto inveja de quem ama as coisas fáceis, e não valoriza a presença. Quem vive a desperdiçar os lábios em ofensas, machucando seus amantes, não sabe como é escuro o abismo da separação.

Um dia, eu prometo amor, vamos ficar juntos até acabar o mundo. Por enquanto, eu tenho que ir embora. Não faça esses olhos, guarde seu melhor para mim. Outros corpos invadirão nossas órbitas, enquanto milhares de asteróides explodirão ao redor. Mas não importa quantos anos-luz ainda vão nos separar. Eu sempre vou voltar pra você.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Os bobos da corte


No coração mais simpático do hemisfério sul do mundo, existe um povo famoso pelo bom humor. Ainda que esteja amargando as desgraças da negligência, em meio ao completo descaso político e social, consegue fazer brotar do lamaçal uma piada infame. Arranca com grande facilidade um sorriso zombeteiro, eficiente em maquiar a tragédia. Essa gente, de tantos credos e cores, é massacrada pelo engano todos os dias. Roubam-lhe a paz, o patrimônio e a integridade. Mas não perde a fé, tampouco a piada. E na esteira da ruína, reafirma o clássico bordão: ri, para não chorar.

O sarcasmo virou identidade nacional. Até chegarmos ao ponto em que a comicidade perdeu a sagacidade da crítica para dar lugar a um descontentamento azedo e disfuncional. O brasileiro humorista perdeu a linha, abusou da graça e virou palhaço. A candidatura do artista popularmente conhecido por Tiririca é um exemplo insólito da fusão entre seriedade e pilhéria. Voto de simpatia, voto de protesto, sem consciência política. O milhão que elegeu essa figura escrachada talvez não saiba que, com isso, entregou ao PR cerca de nove cadeiras no Congresso. Quem ri por último...


O uso inconseqüente da maior arma democrática não surtirá efeitos imediatos, ao contrário, levará à estagnação que o País já conhece. Se essa mentalidade jocosa permanecer, em pouco tempo Brasília virará um circo (pode ficar pior que está, sim). O excelente trabalho dos profissionais de humor brasileiros não pode ser ofuscado pelo exagero vulgar. Existe um limite para a brincadeira, e essa é a hora de levar-se a sério.