sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Homens de grafite



Você escreve. Desde criança, constrói ficção. E parece que, de uma forma ou de outra, quando viram palavras os personagens não te pertencem mais: fogem para as linhas, agora são do mundo. Paulo Coelho, esse pseudo-cultista-escritor-bruxo que nunca admirei, mas cuja sagacidade momentânea me fascina às vezes, postou em uma de suas redes sociais que “o livro se escreve por si só. O escritor apenas digita as palavras”. Devo admitir, projeto de autora que sou, que não decido o destino dos meus personagens. Eu apenas digo as palavras mágicas que os fazem surgir. Sou Deus sem onipresença.

Tem esse cara, por exemplo, me surgiu pronto na mente. Mas eu quero que ele seja algo e, de repente, lá está ele, trilhando seu próprio caminho. E eu digo: ei, pare por ai amigo, eu defino onde você vai estar! Não tem jeito. Eu não sei de nada. As ideias escorregam e de repente um roteiro pronto de vida está traçado. Juro, da primeira linha ao resto, é como se alguém sussurrasse o que vem depois. Por isso o silêncio, por isso a concentração.

Eu dou a luz todos os dias a filhos que morrem na gaveta. E esses filhos, que consumiram tanto de mim, não são meus. A criação é o ato majestoso de desapego.

domingo, 23 de outubro de 2011

Na rua


No meio do caminho, havia um par de sapatos. Tropecei neles, por ocasião de minha volta para casa, dois calçados de solo esfolado pousados no frio da calçada. De um maltrapilho, certamente, que de tantas andanças perdera os pés. Ninguém teve coragem de recolhê-los, causava embaraço e constrangimento, um item alienígena na rua burguesa. Esperavam que alguém viesse buscá-los. Mais que sapatos: eram pegadas.

Pois que me atentei ao óbvio ululante — a rua, encardida de tantas idas e vindas estranhas, faz-se de casa para muitos. Mas o meu lar, limpo e organizado, não é a rua de ninguém. Pesou-me a consciência, na figura das duas sapatilhas de pano, tamanho 42. Quantas estradas aqueles pés não haveriam de ter percorrido, pisando duro o dissabor da crueldade? Até pararem, quietos e tronchos, na minha esquina. Não foram encontrados outros pertences que pudessem dar indícios daquela presença tão fulminante. Esvaecera-se o resto do corpo, descalço.

Então, finalmente, apareceu dono para requisitar soberano os direitos da propriedade. Trôpego, dando voltas ao redor de si mesmo, as canelas roídas de feridas, veio esse homem perdido e os calçou. Levou embora os sapatos. Os moradores suspiraram de alívio: que não ousasse voltar, aquela chaga de humanidade, para perturbar a paz do condomínio. Da janela, observei o mendigo se afastar, na esteira do fracasso e da amargura. Compreendi que a rua não é feita de chão. A rua é feita de passos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Aviso de inutilidade pública

Este blog interrompeu suas postagens temporariamente porque a famigerada autora está tentando escrever um livro.
Isso significa que ela continua pobre, lascada e louca.
Um abraço.
E lembre-se: a resposta é 42.